BRR em Movimento: Uma Conversa com Tomaselli Sobre Fiscalização e Inovação

O BRR em Foco começou como um projeto pessoal de compartilhar minha experiência e visão sobre Base de Remuneração Regulatória (BRR) e Gestão de Ativos. Desde que comecei, foram mais de 15 artigos, lidos em 17 países diferentes e com mais de 5.000 visualizações, o que me traz muito orgulho desse resultado. Sempre busquei apresentar minha visão sobre o tema, analisando os desafios regulatórios, as mudanças metodológicas e a modernização da fiscalização.

Mas agora, acredito que é o momento de abrir essa visão e tornar este espaço um ponto de encontro para outras perspectivas, trazendo outros profissionais que, assim como eu, estão diretamente envolvidos nesse contexto desafiador que é o setor elétrico brasileiro.

Para começar, convidei Luis Cândido Tomaselli, especialista em regulação da SFF na ANEEL e um dos responsáveis pela criação do Bulldozer, ferramenta que vem revolucionando a fiscalização econômica e financeira do setor elétrico.

Tomaselli na sua trajetória, dentro da ANEEL, participou de equipes focadas no desenvolvimento de ferramentas regulatórias, como CTR, PCAT, SISCVA e BANTAR. Nesta conversa, ele compartilha sua visão sobre os avanços da fiscalização regulatória, os impactos do Bulldozer e o futuro da BRR nas concessionárias.

Abaixo, a entrevista completa, com meus comentários sobre cada tema abordado.


 

 Entrevista: A Evolução da BRR e o Papel do Bulldozer

Você tem uma trajetória acadêmica e profissional muito sólida. Como foi sua jornada até chegar à SFF na ANEEL? O que te motivou a atuar na área regulatória?

Tomaselli:
"Antes de ingressar na ANEEL, meu foco era majoritariamente acadêmico. Minha formação é em Engenharia Elétrica, com ênfase em Eletrônica de Potência, e minha trajetória anterior à ANEEL foi exclusivamente voltada à formação acadêmica. Todavia, durante o doutorado, na UFSC, precisei refletir sobre meu futuro profissional. Na época, em 2005, avaliei as oportunidades disponíveis e soube que a ANEEL estava compondo seu primeiro quadro de servidores efetivos. Encarei isso como uma possibilidade interessante, principalmente dado o contexto da época.

Na ANEEL, pude trabalhar em diversas equipes e processos. Por exemplo, na SRD (atual STD), participei da equipe responsável pela implantação da TUSDg e pela criação do CTR, que substituiu o TARDIST. Na SRE (atual STR), tive oportunidade de contribuir com equipes que desenvolveram a planilha automatizada de cálculo de tarifas (PCAT), a planilha de apuração da CVA (SISCVA) e o banco de tarifas (BANTAR). Já na SFF, atuei na implantação do RIT, do banco de pagamentos e nos processos de base e de validação da CVA.

Posso dizer que tive sorte durante esse período na agência, por encontrar boas equipes de trabalho e com disposição de mudar os processos."

 

Sua contribuição para o Bulldozer foi fundamental para transformar a fiscalização regulatória. Quais os maiores benefícios que você enxerga após sua implementação? E quais são os próximos desafios para a ferramenta?

Tomaselli:
"Vendo em perspectiva, sou apenas um dos elementos que estão por trás do processo. Existem muitas ações necessárias para se chegar aonde estamos, e o resultado é a soma de cada contribuição. Antes, tínhamos procedimentos muito disformes, padrões não muito definidos, e a eficiência dependia muito das pessoas, aumentando a possibilidade de erros e retrabalho.

Podemos dizer que a fase inicial focou na melhora da leitura dos problemas, buscando estruturar e estabelecer um fluxo organizado de dados, contudo, ainda com soluções pontuais. Com o tempo, começamos a definir uma estrutura conceitual de como lidar com parte significativa do trabalho e, principalmente, ter um conjunto de ferramentas e dados mais padronizados, de forma a sermos mais consistentes, reduzindo variações e melhorando a previsibilidade.

Agora, estamos trabalhando para implementar ferramentas analíticas de maior nível, para passarmos a um estado de monitoramento contínuo, com ênfase na previsão e prevenção."

 

Essa digitalização da fiscalização tende a se expandir para outras áreas dentro da ANEEL? Como você enxerga o papel da inovação nesse processo regulatório?

Tomaselli:
"A primeira questão é muito difícil, pois envolve a estratégia da organização. Mas, independentemente da estratégia adotada, e respondendo à segunda questão, a digitalização permite a implantação de soluções interessantes, como usar abordagem RAG, sistemas multiagentes para automações mais elaboradas, criar hubs de dados, etc. O desafio é integrar tudo de forma simples e acessível a todos."

 

As concessionárias estão conseguindo se adaptar bem às novas ferramentas e exigências?

Tomaselli:
"Penso que já passamos da fase reativa, mas acredito que temos algo que ainda está em processo de amadurecimento. E, interessante, gostaria de observar que esse processo de reação, interno e externo, até agora, resultou em ampliação de possibilidades e testes, nunca em redução.

Dito isso, porém, olhando para o mundo que temos acesso, fica muito difícil de opinar sem vivenciar o dia a dia das dificuldades das equipes das empresas. Por isso, o encurtamento das discussões, com fiscalizações in loco, contribui para um avanço mais equilibrado da agenda evolutiva de exigências por parte da fiscalização."

 

As equipes de BRR dentro das concessionárias estão evoluindo no mesmo ritmo da ANEEL?

Tomaselli:
"Considerando o que foi realizado no tempo disponível, posso afirmar que as empresas conduziram esforços de maneira estruturada e eficiente, em diferentes graus. Mas, no geral, observo que as equipes de base das empresas de distribuição, incluindo contratadas, merecem muito crédito.

Hoje, todas demonstram uma capacidade ampliada para lidar com o processo de fiscalizações econômica e financeira, em comparação a 2017, quando essa jornada começou."

 

O posicionamento assertivo e claro de Luis Cândido Tomaselli reforça o que já era evidente para quem acompanha o setor elétrico e sua constante evolução: a fiscalização da BRR não é um processo estático e está em um ciclo contínuo de transformação irreversível. A digitalização e a padronização das análises estão tornando o processo mais estruturado, transparente e previsível, trazendo desafios tanto para a ANEEL quanto para as distribuidoras.

A fase de alta discricionariedade e dependência de parceiros externos para a fiscalização ficou para trás. Hoje, há um esforço contínuo para fortalecer a isonomia, estruturar os dados e reduzir a subjetividade na análise da BRR. O Bulldozer foi um marco nessa mudança, eliminando discrepâncias e garantindo maior rastreabilidade dos valores homologados e dos trâmites regulatórios realizados. Mas, como Tomaselli destacou, esse foi apenas o primeiro passo.

Esse avanço exige um setor preparado para acompanhar a evolução. Algumas distribuidoras já superaram a fase de resistência às mudanças e estão se ajustando à nova realidade, enquanto outras ainda precisam percorrer um longo caminho de adaptação e resiliência. A capacitação das equipes de Gestão de Ativos e BRR será um fator determinante para o sucesso das concessionárias nessa transição. Isso significa investir não apenas em conhecimento técnico, mas também em equipes multidisciplinares, gestores com visão estratégica e novas formas de interpretar e responder às exigências regulatórias.

Outro ponto importante levantado na entrevista foi o impacto da inovação na fiscalização. As possibilidades tecnológicas são vastas, mas a grande questão não é apenas desenvolver novas ferramentas, e sim garantir que elas sejam integradas de forma simples e acessível a todos os agentes do setor. A inovação não pode acontecer a qualquer custo. Se for excessivamente complexa ou difícil de implementar, pode gerar novas barreiras ao invés de soluções. Encontrar um equilíbrio entre modernização e aplicabilidade prática será essencial para consolidar esse novo modelo regulatório.

Por fim, a evolução da fiscalização da BRR não pode ser analisada apenas sob a ótica da ANEEL ou das concessionárias. Esse é um processo que impacta todo o setor e, acima de tudo, se reflete diretamente nas tarifas e na qualidade do serviço prestado ao consumidor. Um modelo mais eficiente e transparente beneficia não apenas as empresas reguladas, mas toda a sociedade.

Áreas como CVA, P&D, Eficiência Energética e CCC serão as próximas a passarem por mudanças regulatórias. O setor está pronto para esse novo cenário? Como os profissionais de BRR podem liderar essa transformação e se preparar para essa nova fase? Essas são perguntas que ainda precisam ser debatidas e que certamente continuarão sendo pauta aqui no blog.

 

Agora me despeço e deixo aqui as perguntas para os colegas. Quero ouvir sua opinião:
Como você enxerga essa evolução da fiscalização regulatória?
Quais os próximos desafios para a BRR e para as distribuidoras?

 

Comentários

  1. Excelente o artigo Bruno. Acredito muito que as distribuidoras e profissionais do setor elétrico precisarão evoluir na digitalização e na capacidade de processamento de dados

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  2. Bruno, desde que te conheci, vi em você alguém centrado, focado e eficiente no que faz. Acompanhar este seu trabalho é inspirador. Parabéns por esta iniciativa que já deu muito certo. Os desafios estão lançados e trabalhar na área regulatória neste momento do cenário brasileiro é um privilégio.

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    1. Everton, boa tarde!
      Receber este feedback de um colega que esteva comigo em minha primeira fiscalização em BRR me deixa mto contente! Agradeço o apoio!

      Abrs.

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  3. Excelente discussão. Parabéns pela iniciativa e compartilhamento.

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    Respostas
    1. Olá Victor,
      Obrigado pelo feedback! Se tiver dúvidas ou comentários fico à disposição!

      Abs.

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