Do Lampião ao Laudo: O Setor Elétrico e a Construção da Cidadania

 Quando comecei o BRR em Foco, tive diversas motivações, desde uma necessidade de me manter atualizado com as constantes evoluções do setor elétrico, uma vontade de conversar com pessoas sobre estes temas que tanto me encantam e ter um local onde poderia compartilhar meus mais de 10 anos de vivência no setor elétrico. Neste espaço e, como financista de formação, sempre estive imerso na lógica da performance, das metas regulatórias, na gestão eficiente de ativos e até na busca constante pela operação austera.

 

Não obstante, o que mais me encanta no setor elétrico é a sua capacidade de rotineiramente nos apresentar visões e novas perspectivas. Há algumas semanas, estive em uma viagem aos Lençóis Maranhenses e lá tive acesso a mais uma camada do setor elétrico, tão fundamental e, às vezes, invisível. A visita a Atins, um pequeno povoado de difícil acesso que fica dentro dos Lençóis, me fez ver a energia elétrica com olhos diferentes de BRR, Remuneração de Capital, WACC, TIR e afins. Vi o setor elétrico como ferramenta de dignidade.

 

Atins é um dos lugares mais lindos do mundo, onde a beleza natural contrasta com uma desigualdade social latente. Mas, superando esta percepção, é possível ver o quanto a expansão do acesso à energia elétrica tem impulsionado melhorias tangíveis: crescimento do comércio local, pousadas pululam em crescimento, escolas e acesso à internet. Tudo isso se tornou possível porque a energia chegou lá.

 


Não é exagero dizer que o acesso à energia elétrica é uma das condições básicas para o desenvolvimento humano. E programas como o Luz para Todos (PLPT) e o Mais Luz para a Amazônia (MLA) têm sido fundamentais para levar esse direito a regiões remotas. São políticas públicas que se materializam nas redes, postes e ligações que transformam a vida de milhares de pessoas.

 

Programas como o Luz para Todos (PLPT) e o Mais Luz para a Amazônia (MLA) representam a face social da política energética brasileira. O PLPT, criado em 2003, visa universalizar o acesso à energia elétrica em áreas rurais e remotas, enquanto o MLA, lançado em 2020, foca em comunidades isoladas da Amazônia Legal, priorizando soluções sustentáveis como sistemas fotovoltaicos off-grid. Ambos os programas são financiados majoritariamente por recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), mas a execução dos projetos é responsabilidade das concessionárias de distribuição. Isso significa que, mesmo com recursos assegurados, as distribuidoras precisam desembolsar os investimentos inicialmente — seja na construção de redes, aquisição de sistemas solares ou logística de implementação — para só depois serem ressarcidas via reembolso regulado. Essa dinâmica exige um planejamento financeiro robusto, pois representa um impacto real no caixa das empresas, especialmente em áreas de difícil acesso e com alta complexidade operacional.

 

Assim, considerando tantas variáveis, as concessionárias deixam de ser um conglomerado econômico e assumem também o papel de agentes sociais do desenvolvimento da cidadania. Ao executar os programas de universalização propostos pelo governo federal, ou mesmo em seus próprios programas de expansão de rede, elas estão levando também dignidade, saúde, educação e novas oportunidades a uma população, até então, carente.

 

Em outra medida, temos a Aneel realizando seu papel de agente estruturante do setor, garantindo que os subsídios da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) sejam destinados às áreas específicas, seja garantindo a neutralidade tarifária destes investimentos por meio das Obrigações Especiais. Essa visão social é parte fundamental e deve ser integrada às políticas regulatórias do setor elétrico.

 

Ainda assim, é importante manter sempre o equilíbrio e a sustentabilidade financeira no radar, pois sem a segurança financeira garantida nenhuma expansão é possível. A universalização do acesso à energia elétrica tem um custo elevado, em especial para as áreas de difícil acesso, em regiões em atendimento via sistema isolado. Nestas condições, cabe à regulação garantir que estes custos sejam reconhecidos e adequadamente refletidos nas tarifas, assegurando a continuidade do serviço. O equilíbrio da Receita Requerida, a estrutura das parcelas A e B, e o reconhecimento de investimentos e custos operacionais são mecanismos que tornam essa expansão viável.

 

Mas o investimento por si só não é a solução. Trata-se de investir melhor. A regulação brasileira implementou em seu modelo de benchmarking um rigoroso sistema de busca incansável pela eficiência. O Fator X, por exemplo, incentiva que as distribuidoras reduzam seus custos operacionais ao longo do tempo, compartilhando os ganhos com os consumidores.

 

Esse equilíbrio entre fazer mais com menos, manter a qualidade dos serviços e cumprir metas regulatórias exige uma gestão austera e inovadora. A busca pela eficiência não é uma opção — é um compromisso permanente.

 

O que vi nesta viagem me mostrou que, por trás de cada laudo de avaliação que liderei e cada ligação que acompanhei, existem famílias, sonhos, possibilidades. E que o trabalho técnico que realizamos nos bastidores tem impacto direto na vida das pessoas. Concessionárias de energia têm um papel estratégico no desenvolvimento do Brasil. Mas esse papel só será plenamente cumprido se conseguirmos manter a convergência entre eficiência regulatória e compromisso social. Esse é o desafio — e também a missão — do nosso setor.


É hora de reavaliarmos o papel das distribuidoras não apenas como empresas eficientes, mas como parceiras da cidadania.

 

Para ampliar essa reflexão, convidei meu amigo e colega de setor para comentar do tema. Diego Fontes – Gerente de Ativos e BDGD no grupo Equatorial - tem uma trajetória admirável no setor elétrico e comenta abaixo:

"Crescimento econômico na prática, A Equatorial e o estado do Amapá.  

A chegada da Equatorial ao Amapá evidenciou o papel transformador que distribuidoras de energia e saneamento podem exercer no desenvolvimento humano e social. Em Macapá, a realidade encontrada era desafiadora, a principal estação de tratamento de água operava em condições precárias, lembrando mais uma estação de esgoto. 

 

 Desde então, o cenário vem mudando: com o elevado investimento e vontade de mudar a realidade das pessoas, o número de interrupções de energia caiu consideravelmente, modernização das subestações e o fim do rodízio em comunidades rurais são realidades da população local. 

 

 No saneamento, mais água tratada e obras estruturais começam a impactar diretamente a saúde pública.

 

 Os reflexos já aparecem na economia local. Em 2023, o Amapá teve a maior alta de renda domiciliar do país (+29,1 %) e liderou a geração de empregos, com crescimento de 7,45 % (mais que o dobro da média nacional). Foram criadas 1,7 mil novas empresas e os licenciamentos ambientais cresceram 400 %. Para esse ano, espera-se um crescimento de até 3,9 %, acima da média brasileira. São números que confirmam: onde há infraestrutura, há desenvolvimento."

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