Revitalizando a Regulação Energética: As Abordagens Inovadoras da ANEEL em Fiscalização e a Definição de Novos Padrões para Tarifas Justas

Para este novo post, considero importante abordar o processo de fiscalização, as recentes inovações na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o papel das concessionárias nessa etapa crucial de definição da Base de Remuneração Regulatória (BRR). É fundamental destacar que o objetivo de todos os envolvidos é garantir a definição de um valor justo para a BRR, que remunere os investimentos realizados conforme as regulamentações, minimizando o impacto sobre o consumidor e promovendo segurança jurídica para todas as partes envolvidas.

 

O conceito de fiscalizações está detalhado no PRORET (Procedimentos de Regulação Tarifária), no Submódulo 10.1 - Revisões Tarifárias de Distribuidoras, que delineia todo o processo de revisão tarifária, e no Submódulo 2.3 - Base de Remuneração Regulatória, onde são apresentadas as premissas para a definição da BRR.


 

Ao longo dos anos, o processo de fiscalização da BRR passou por significativas transformações que merecem ser examinadas através dalinha do tempo dos processos de fiscalização:

 

1º e 2º CRTP (2004 a 2009) - Nas primeiras fiscalizações, observou-se a estruturação da ANEEL na definição de uma metodologia de fiscalização e BRR, um processo novo que carecia de métricas e processos válidos para alcançar a difícil equação entre a modicidade tarifária e o cumprimento dos contratos de concessão e regramentos vigentes.

 

3º CRTP (2009 – 2014) – Durante o terceiro ciclo, já com os principais pontos de fiscalização estabelecidos, tornou-se evidente uma alta dependência das “Parceiras Aneel” e das “Empresas Avaliadoras", consultorias especializadas contratadas pela Aneel e pelas concessionárias, respectivamente, para os processos de Revisão Tarifária. Na época, os processos de validação de dados eram inteiramente manuais, havia algum nível de discricionariedade e, principalmente, limitações tecnológicas que dificultavam uma maior agilidade e complexidade nas validações.

 

4º CRTP (2014 – 2019) – Durante o quarto ciclo de revisões tarifárias, a Aneel dedicou esforços significativos em busca de automações para os processos de fiscalização, destacando-se a implementação dos “Anexos Aneel”, planilhas automatizadas em VBA para validações. Esses anexos apresentaram resultados controversos em alguns momentos e demandaram um alto esforço das concessionárias para compreensão e manifestação. Ainda assim, representaram um importante passo rumo às automações implementadas atualmente.

 

5º CRTP (2019 – Atualmente) – No quinto ciclo, estamos em processo de transição para a implementação dos algoritmos na linguagem de programação Python. O algoritmo está em funcionamento e, ao mesmo tempo, em desenvolvimento, permitindo à agência realizar correções e ajustes em busca do melhor método de validação dos laudos de avaliação e fiscalização da BRR.


 

No Ofício Circular nº 6 de 2023, a Superintendência de Fiscalização Econômica, Financeira e de Mercado (SFF) expressou a busca contínua por melhorias e otimizações nos processos de fiscalização BRR, com especial ênfase na automatização e agilidade na validação das bases. Nesse contexto, foi apresentado o projeto Bulldozer – nome dado pela agência ao algoritmo de fiscalização BRR - momento em que a Aneel disponibilizou para as concessionárias os códigos Python de validação das bases, reforçando seu compromisso com a transparência.

 

O link fornecido abaixo permite que as concessionárias acessem os procedimentos de validação adotados pela SFF: https://git.aneel.gov.br/publico/conteudos-externos/-/tree/main

 

Desde a emissão do ofício 06/2023, significativas evoluções foram implementadas nos algoritmos de fiscalização, com o apoio das concessionárias, tornando-os ainda mais alinhados às necessidades de validação e transparentes quanto aos seus objetivos. Novos testes foram desenvolvidos e testes ineficazes foram descartados, promovendo uma melhoria contínua no processo de fiscalização da BRR.

 

Atualmente o Bulldozer realiza seis principais validações que são apresentadas abaixo:

1. ICMS Não recuperável: Segundo previsto no submódulo 2.3 do PRORET, a concessionária deve excluir os impostos recuperáveis e quaisquer descontos ou benefícios ao calcular o valor das compras. No caso do ICMS, além de excluir a parte recuperável, deve-se adicionar a parcela não recuperável e o adicional decorrente da perda financeira do fluxo de crédito. Isso garante um cálculo preciso do valor líquido das transações. Para realizar este cálculo a Aneel realiza o tratamento dos dados presentes nos SPEDs (Sistema Público de Escrituração Digital) da concessionária de todo o período incremental e apura a parcela o montante financeiro à ser agregado ao Banco de Compras conforme normativa vigente.

 

2. Banco de Preços: A análise do banco de preços realizada pelo algoritmo da Aneel é significativamente complexa e resulta em quatro arquivos de saída que devem ser analisados e justificados pelas concessionárias. Estes arquivos são:

 

Saída F0 – Nesta primeira etapa a Aneel realiza uma validação da base de dados, conciliando o Banco de Compras da concessionária – lista de todas as compras realizadas no período incremental – em relação aos SPEDs.

Saída F1 – Nesta etapa a Aneel realiza dois relevantes processos de validação do banco, primeiramente identificando valores que possuem comportamento fora da curva esperada por código de material (outliers) e estes devem ser justificados pelas concessionárias. Um outro teste também realizado nesta saída é a forma de correção monetária para composição do banco de preços. Aqui vale destacar que a correção monetária do banco de preços deve ser realizada considerando as fórmulas paramétricas da Fundação COGE.

Saída F2 – Dando seguimento às validações, a Aneel realiza um teste da composição dos dados presentes no banco em relação às demais bases de dados disponibilizado pelas concessionárias. Neste caso validando que os materiais presentes no banco de preços estão presentes no Razão de Obras da concessionária, disponibilizado para o processo de fiscalização. Adicionalmente, a Aneel realiza também um comparativo entre o Banco de Compras protocolado pela concessionária no Laudo de Avaliação em relação ao banco calculado pelo algoritmo. Desvios em ambos os testes devem ser justificados.

Saída F3 – Por fim, na última saída da análise do banco de compras, temos um resumo de quantidades, comparando a quantidade movimentada no ”razão de obras” em relação à quantidade presente no banco de compras.

 

Verificando estes testes de maneira consolidada é possível verificar que a Aneel (i) corrobora a base de dados em relação às notas fiscais, (ii) valida os lançamentos em relação ao comportamento padrão, (iii) analisa e comprova os dados em relação à demais informações apresentadas e finaliza o teste (iv) verificando se as diversas bases de dados apresentam coerência quantitativa.

 

3. Base Incremental – A base incremental refere-se à avaliação dos ativos que entraram em operação entre o início do ciclo tarifário e a data base do laudo de avaliação. A base incremental é o principal item a ser validado pela Aneel nos processos de fiscalização e onde estão a maioria dos testes. Vou listar abaixo os que, em meu entendimento, são mais relevantes:

  • ·         Validação BAR (Base de Anuidade Regulatória) / BRR;
  • ·         Validação se o bem se refere à uma UAR (Unidade de Adição e Retirada);
  • ·         Verificação se o ativo está registrado na conta contábil correta;
  • ·         Verificação se o ativo está registrado na Tipologia correta;
  • ·         Validação do método de definição do VNR (VOCa / BPR / OE);
  • ·         Validação da Descrição em relação aos dados técnicos (TUC e Atributos);
  • ·         Validação do JOA agregado ao VNR em relação ao JOA Contábil;
  • ·         Validação da depreciação acumulada e da taxa de depreciação;
  • ·         Validação do módulo de BPR utilizado para avaliação;

 

A correta avaliação da Base Incremental é fundamental para garantir a transparência e a precisão na definição da Base de Remuneração Regulatória (BRR), impactando diretamente na tarifação dos serviços de energia elétrica. Validar cada aspecto da base incremental, desde a inclusão correta dos ativos até a precisão dos métodos de valoração utilizados, assegura a justiça tarifária e a adequada remuneração dos investimentos realizados pelas concessionárias, promovendo assim a estabilidade e a confiança no setor elétrico.

 

4. Base Blindada - Refere-se aos valores aprovados em laudo de avaliação na última revisão tarifária, relacionados aos ativos em operação naquele período. Esses valores são “blindados”, excluindo-se as alterações ocorridas, como baixas e depreciação. No algoritmo de fiscalização BRR a Aneel apresenta os seguintes testes:

  • Teste_PP – Onde é realizada a validação do ponto de partida da base blindada, garantindo se o laudo reflete integralmente os dados homologados no ciclo anterior;
  • Teste_Baixas e Teste_Baixas_UC – Nestes dois testes são validadas as baixas aplicadas em relação ao arquivo de baixas da concessionária, no primeiro analisando de maneira analítica e no segundo caso, consolidado por TUC. Além disso é realizada a análise de baixas considerando a mutação entre o AIS do ponto de partida (início do ciclo tarifário) em relação ao AIS do ponto de chegada (na data do corte do laudo de avaliação).
  • Teste_VNR0 – Aqui são verificadas as diversas movimentações da Base Blindada, incluindo a depreciação entre ciclos e a correção monetária.

 

 5. Obrigações Especiais - As Obrigações Especiais (OEs) são recursos provenientes de diversas fontes, incluindo contribuições dos consumidores e verbas públicas, destinadas aos investimentos na área de concessão. Neste caso, a Aneel realiza as seguintes validações das OEs: 

·       Composição do Quadro 5A, que se refere ao resumo dos valores de OEs apresentados nos registros contábeis da concessionária;

·         Composição do Quadro 5B, local onde as avaliadoras realizam a avaliação das obrigações especiais constituídas pelas concessionárias;

·         Validação da amortização aplicada mensalmente nas OEs;

·         Validação da correção monetária das OEs blindadas dos ciclos anteriores.

·         Cálculo da taxa de amortização de obrigações especiais e da taxa média de depreciação para QRR (Quota de Reintegração Regulatória).

 

6. BDGD – A Base de Dados Geográfica da Distribuidora (BDGD)  é um modelo geográfico estabelecido com o objetivo de representar de forma simplificada o sistema elétrico real da distribuidora, visando refletir tanto a situação real dos ativos quanto as informações técnicas e comerciais de interesse. Sob a ótica da BRR, a BDGD é o lastro físico dos ativos presentes nos controles patrimoniais das concessionárias. Neste sentido, os testes relacionados à BDGD aplicados pela Aneel percorrem as seguintes validações:

·         Mutação BDGD, onde a Aneel realiza um comparativo entre a BDGD movimentada (BDGD Anterior + Adições do AIS – Baixas do AIS) em relação à BDGD protocolada para a revisão tarifária.

·         Conciliação BDGD ou teste SIG_R, onde a Aneel valida quantitativamente e qualitativamente os dados presentes na BDGD em relação ao AIS da concessionária e no laudo de avaliação.

Além destas seis etapas já implementadas, a Aneel avança no desenvolvimento do algoritmo de apuração do saneamento do VOC, passando pelas análises de Cadernos de Serviços / Materiais, Validação de Normas técnicas, busca de UAR<10%, Flag Data e já previsão da aplicação do Caderno de Serviços referenciais.

 


Neste contexto a Aneel emitiu em janeiro de 2024 o “Manual de Instruções e Padronização de Dados”, o guia foi elaborado com o intuito de fornecer orientações práticas sobre os dados iniciais necessários para a análise do laudo de avaliação. A organização adequada dos dados desempenha um papel fundamental na asseguração da qualidade e integridade das informações, facilitando o trabalho da fiscalização e promovendo transparência. No manual, são abordados os princípios básicos da padronização de dados, desde a definição de termos-chave até práticas essenciais para a composição das bases de dados. Independentemente do porte ou setor de atuação da empresa, a padronização de dados é crucial para otimizar operações, reduzir erros e garantir conformidade regulatória.

 

Não obstante cabe destacar que o referido manual representa um ponto de atenção às concessionárias pois o nível de detalhamento das informações é significativamente mais profundo que os dados exigidos regulatóriamente e, em alguns pontos, mais exigentes que o MCPSE (Manual de Controle Patrimonial do Setor Elétrico) e o MCSE (Manual de Contabilidade do Setor Elétrico).

 

Considerando tudo aqui apresentado entendo que existem caminhos que precisam ser percorridos no setor para que todo o processo de fiscalização continue avançando de forma eficiente e ágil. Estes caminhos perpassam pelo desenvolvimento de lastro regulatório por parte da Aneel e, para isso, é necessário atuação eficiente das concessionárias e órgãos relacionados, como a ABRADEE. Além disso, é fundamental que as concessionárias avancem em melhorias processuais e em seus controles de forma a fornecer com o máximo de qualidade as informações demandadas.

 

Após explorarmos detalhadamente as etapas e testes do processo de fiscalização BRR, fica claro o esforço conjunto entre a Aneel, as concessionárias e demais entidades envolvidas para garantir transparência, equidade e eficiência no setor elétrico. É evidente que avanços significativos foram realizados ao longo dos anos, mas ainda há desafios a superar. Convido a todos os colegas e profissionais do setor a se juntarem a essa discussão em busca de soluções inovadoras e práticas para fortalecer ainda mais a regulação tarifária e a gestão de ativos. Juntos, podemos contribuir para um setor elétrico mais robusto e sustentável. Aguardo ansiosamente o envolvimento de cada um de vocês nesse importante diálogo.




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